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  • Alexander M. Castellino

Metástase pode se disseminar antes de o câncer sequer ser diagnosticado


As metástases são geralmente consideradas como um evento tardio, que ocorre algum tempo após o surgimento do câncer primário, mas uma nova pesquisa mostra que as metástases podem ser disseminadas por clones 'nascidos para matar' anos antes de o câncer sequer ter sido diagnosticado. Esta ideia desconcertante tem o apoio experimental, pelo menos para o câncer colorretal, da pesquisa feita pela Dra. Christina Curtis, Ph.D., e seu laboratório na Stanford University School of Medicine, na Califórnia.

A equipe mostrou que a "disseminação" metastática (isto é, quando a primeira célula tumoral coloniza o sítio metastático) é um evento muito precoce e provavelmente acontece anos antes de o câncer primário ser detectado.

"Em 80% dos pacientes com câncer colorretal metastático, determinamos que a disseminação dos locais metastáticos ocorreu extremamente cedo, antes de o tumor primário ser clinicamente detectável", a Dra. Christina disse ao Medscape.

"Nossos dados sugerem que alguns clones são 'nascidos para matar', com seu potencial maligno e possivelmente metastático especificado previamente", ela acrescentou.

O estudo foi publicado on-line em 17 de junho no periódico Nature Genetics.

O laboratório da Dra. Christina está agora no processo de determinar se o paradigma da disseminação metastática precoce também é verdadeiro para outros tipos de câncer, incluindo os de mama e pulmão.

Implicações para a clínica

Solicitado a comentar sobre essa nova pesquisa, o patologista Dr. Anirban Maitra, do MD Anderson Cancer Center da University of Texas, em Houston, apontou que as metástases são a causa mais comum de morte por câncer em tumores sólidos.

"O que este estudo está nos dizendo é que as metástases observadas na imagem de uma tomografia computadorizada (TC) são uma marca de algo disseminado anos antes, e traçar o perfil de um tumor primário fornece a oportunidade de abordar metástases antes que elas sejam realmente detectadas", disse ele ao Medscape.

"Essas observações têm uma relevância clínica imediata e os resultados fornecem a oportunidade de prever a biologia dos tumores colorretais com base no perfil genômico do tumor primário", disse o Dr. Anirban, que não participou do estudo.

Definir o perfil dos tumores primários antes da disseminação metastática óbvia oferece uma oportunidade de identificar quais tumores são indolentes e quais são agressivos, explicou ele.

"As metástases podem ser previstas com base no perfil do tumor primário, a terapia pode ser adequadamente adaptada para que pacientes com tumores indolentes não sejam tratados excessivamente e aqueles com tumores 'nascidos para matar' possam ser tratados intensamente desde o início", disse ele.

Resultados questionam antigo dogma sobre metástases

Para a Dra. Christina, que dirige um laboratório computacional de câncer e biologia de sistemas em Stanford e é codiretora do Molecular Tumor Board, a jornada para rastrear a evolução tumoral começou há vários anos. Em um estudo publicado em 2015, a Dra. Christina desafiou o conceito predominante de evolução clonal sequencial em andamento. Seu laboratório propôs um modelo "big bang" de crescimento de tumores colorretais.

De acordo com esse modelo, depois que o tumor está estabelecido, ele evolui de maneira efetivamente neutra, de forma que mutações adicionais são, em grande parte, eventos passageiros e não resultam em expansões clonais subsequentes. "Essas descobertas também forneceram a primeira evidência quantitativa da origem precoce da heterogeneidade intratumoral", disse ela ao Medscape.

Em uma continuação de sua pesquisa, a Dra. Christina e equipe tentaram entender como e quando os tumores evoluem para dar origem a metástases letais. Como nem todos os pacientes com câncer colorretal desenvolverão doença metastática, a Dra. Christina e equipe começaram com aqueles que o fizeram.

O grupo analisou biópsias retiradas de 23 pacientes com câncer colorretal metastático – alguns com metástases hepáticas e outros com metástases cerebrais – usando sequenciamento de exoma de múltiplas regiões do tumor primário e de metástases pareadas.

Eles descobriram que a divergência genômica entre os sítios primário e metastático é baixa.

Dra. Christina e colaboradores então criaram um modelo computacional para simular o crescimento espacial de tumores "virtuais" realisticamente dimensionados compostos de até 109 células (o equivalente a um tumor de 10 cm³). Eles compararam os tumores virtuais simulados sob parâmetros conhecidos com dados genômicos reais do paciente para inferir o tamanho do tumor primário quando a metástase se disseminou. Na maioria dos pacientes estudados, eles descobriram que a disseminação metastática ocorreu antes que o tumor primário fosse clinicamente detectável (104 – 108 células ou 0,0001 - 1 cm³) e frequentemente apenas 105 células.

"Ao determinar a fração de células (ou seja, frequência) com mutações específicas no tumor primário e biópsia metastática, é possível inferir o tempo relativo da disseminação metastática durante a vida de um tumor", disse a Dra. Christina.

"Estes resultados também sugerem um longo período entre o 'nascimento' do clone maligno e o diagnóstico do tumor primário", disse ela.

"Talvez na ordem de três anos", acrescentou ela, quando pressionada, e sugeriu a existência de uma janela de oportunidade, durante a qual o tumor nascente pode ser interceptado.

"Esses resultados se opõem ao antigo dogma de que as metástases surgem de um clone menor em um tumor geneticamente avançado que teve origem após múltiplas ondas de expansão clonal durante um intervalo de tempo prolongado", disse Dra. Christina.

"A maioria das mutações condutoras (driver) encontradas na metástase foi adquirida precocemente, durante o início e o crescimento precoce do tumor primário", acrescentou ela.

Metástases disseminadas de clones que são 'nascidos para matar'

Uma célula que começa sua jornada a partir do local do tumor primário tem que migrar para fora do tumor, sobreviver a diferentes obstáculos e se estabelecer em um outro local, explicou Dra. Christina.

Ela sugeriu que isso é possível apenas com clones 'nascidos para matar'. Estes são clones que acumularam várias mutações de condutoras no sítio primário. Alguns desses drivers incluem mutações no KRAS, TP53, SMAD4, PTPRT, AMER1 e TCF7L2.

Embora as biópsias metastáticas tenham mais mutações de alta frequência, a maioria delas são mutações do tipo passageiro e não estão associadas ao crescimento do tumor, ela indicou. A razão para poucas mutações condutoras é que os drivers metastáticos se sobrepõem àqueles para invasão e crescimento do tumor, explicou a Dra. Christina, acrescentando que uma combinação específica de drivers confere competência metastática.

Para validar essa ideia, Dra. Christina e equipe analisaram tumores de mais de 2.700 pacientes com câncer colorretal – um terço com doença metastática e dois terços em estágios I a III – que faziam parte dos estudos MSK-Impact e GENIE.

Quando eles estudaram as mutações genéticas nessas amostras de tumores, identificaram a PTPRT como um condutor, que em combinação com os condutores habituais (APC, KRAS e TP53), foi observado quase exclusivamente em pacientes com doença metastática.

Outras combinações de condutores associados às metástases incluem TCF7L2 e AMER1.

"Nem todos os cânceres colorretais geram metástases. Essa informação prognóstica pode ajudar no desenvolvimento de biomarcadores para estratificar pacientes com doença agressiva", disse ela, para identificar os pacientes que têm tumores com probabilidade de originar metástases.

Dra. Christina acrescentou que o DNA tumoral circulante (DNAtc) pode ser usado para monitorar de forma não invasiva a doença residual e indicou que estudos recentes mostraram o potencial de análises seriadas de DNAtc para detectar recidivas meses antes do exame radiológico padrão.

Também solicitado a comentar, Dr. Anil K. Rustgi, diretor do Herbert Irving Comprehensive Cancer Center na Columbia University, em Nova York, sugeriu que a assinatura de metástases pode ser usada para identificar e monitorar mais de perto os pacientes que provavelmente experimentarão futuras metástases.

"O estudo conduz a uma mudança da terapia à prevenção", disse ele ao Medscape, explicando que, conceitualmente, agora é possível pensar em estratégias de tratamento para prevenir o aparecimento de metástases.

"Este estudo sugere que um biomarcador para metástases no câncer colorretal pode ser possível". Dr. Anil não esteve envolvido com o estudo atual.

Dra. Christina concordou. "Determinar se os pacientes com DNAtc detectável após o tratamento cirúrgico têm combinações específicas de alterações associadas à doença metastática pode embasar a abordagem da estratificação do tratamento", disse ela.

A identificação desses pacientes antes da instalação das metástases é importante, pois eles podem se beneficiar da terapia adjuvante para abordar as micrometástases.

"Pacientes com tumores classificados como agressivos com base no perfil do tumor primário devem receber terapia sistêmica adjuvante ou neoadjuvante para que as micrometástases possam ser eliminadas", comentou Dr. Anirban, do MD Anderson. Ele acrescentou que, como patologista molecular, pode imaginar que os marcadores prognósticos de metástases poderiam ser adicionados ao painel de mutações que já estão em estudo.

No entanto, tanto o Dr. Anirban quanto a Dra. Christina concordaram que esses resultados precisam ser validados prospectivamente em ensaios clínicos.

A descoberta de que a disseminação sistêmica pode ocorrer precocemente, observou Dra. Christina, destaca a importância da detecção da neoplasia o mais cedo possível.

No entanto, ela também enfatizou que mais pesquisas são necessárias antes que as abordagens de rastreio populacionais sejam implementadas. Um ponto de partida sensato para estes esforços pode ser com indivíduos com história familiar ou alto risco de câncer colorretal ou de outros tipos de câncer. De forma mais genérica, o melhor entendimento da pré-malignidade é necessário e deve guiar a abordagem para a detecção precoce, disse Dra. Christina.

O estudo foi financiado em parte por American Cancer Society, Emerson Collective Cancer Research Fund, Wunderglo Foundation e pelo National Cancer Institute. A Dra. Christina é conselheira científica de GRAIL e informou ter ações e ter realizado consultoria para GRAIL e Genentech. O Dr. Anirban recebeu royalties da Cosmos Wisdom Biotechnology por um ensaio de biomarcador relacionado com a detecção precoce do câncer pancreático . O Dr. Anil informou não ter vínculos financeiros relevantes.

Nature Genetics. Publicado on-line em 17 de junho de 2019. Abstract

Citar este artigo: Metástase pode se disseminar antes de o câncer sequer ser diagnosticado - Medscape - 26 de julho de 2019.


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